Entretanto, se argumentou que, passados 13 anos da ocorrência do crime, o réu não apresentou mais nenhum registro de qualquer delito, conforme se podia verificar em sua certidão de antecedentes. Logo, não procedia a afirmação de voltaria a delinqüir. Fundamentou-se o pedido de Habeas Corpus em decisões, inclusive do STF, no sentido de que não era a gravidade teórica do delito que determinaria a presunção de periculosidade do réu.
Vejamos trechos da petição inicial de Habeas Corpus:
“Por outro lado, a autoridade coatora asseverou na decisão: “Ademais, os grave crime (sic) perpetrado pelos réus demonstra sua periculosidade, tornando-se temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinqüir”.
Entretanto, a certidão de antecedentes de fl. 482 (doc. 10), emitida em 17/03/2010, e a certidão de primariedade de fl. 480 (doc. 11), emitida em 10/03/2010, comprovam o contrário, pois não se registra nenhuma outra acusação contra o paciente desde a data do fato criminoso, ocorrido em 11 de maio de 1996, e já lá se vão mais de 13 anos. Não procede, portanto, a afirmação de que “certamente” voltará a delinqüir.
(...)
Ao asseverar que “o grave crime perpetrado pelo réu demonstra sua periculosidade”, a Douta Magistrada está deixando transparecer que a gravidade do crime de estupro faz com que se presuma a periculosidade de qualquer um que o cometa.
Entretanto, decisões que se apóiam na gravidade teórica do delito e presunção de periculosidade do réu não procedem, pois vêm sendo repudiadas pela Suprema Corte, que não se cansa de proclamar:
“(...) II. Prisão preventiva: falta de fundamentação concreta de sua necessidade cautelar, não suprida pelo apelo a gravidade objetiva do fato criminoso imputado: nulidade. A fundamentação da prisão preventiva - além da prova da existência do crime e dos indícios da autoria -, há de indicar a adequação dos fatos concretos à norma abstrata que a autoriza como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, arts. 312 e 315). A gravidade do crime imputado, um dos malsinados "crimes hediondos" (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5., LVII)” (STF - RHC nº 68.631, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 137/287)
Ao depois, a idéia de periculosidade, presumida à só gravidade teórica do crime, é de todo incompatível com a primariedade do réu, sobre ser gratuita e não figurar hipótese legal de prisão cautelar, hostiliza a presunção constitucional de não culpabilidade.
A asserção tem contornos de ilegal antecipação de pena. Leciona, ao propósito, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR:
“Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado”.
E remata:
“Com a referida presunção de reiteração, restariam violadas, portanto, as garantias constitucionais da desconsideração prévia de culpabilidade (Constituição da República, art. 5º, LVII) e da presunção de inocência (Constituição da República, art. 5º, § 2º, c/c os arts. 14, 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e 8º, 2, 1ª parte, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos)”. (“As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração”, RJ, Renovar, 2001, p. 179).
Lembremos que foi exatamente desta dupla presunção combatida pelo doutrinador citado acima que se utilizou a Autoridade Coatora ao afirmar que é “temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinquir”.
E, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal vem reiterando o seu entendimento sobre não ser a gravidade do crime em abstrato fundamento suficiente para a prisão preventiva:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E BASEADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. PRECEDENTES. (...) DECISÃO FUNDAMENTADA NA GRAVIDADE DO CRIME E NO CLAMOR PÚBLICO. INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO. NECESSIDADE DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE A JUSTIFIQUEM. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E, NESSA PARTE, CONCEDIDA. (...) II - O decreto de prisão cautelar há que se fundar em fatos concretos. Precedentes. III - A mera afirmação de gravidade do crime e de clamor social, de per se, não são suficientes para fundamentar a constrição cautelar, sob pena de transformar o acusado em instrumento para a satisfação do anseio coletivo pela resposta penal. IV - Habeas corpus parcialmente conhecido, e nessa parte, concedida a ordem. (STF - HC 100012 / PE – PERNAMBUCO, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 15/12/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-06 PP-01362)”
Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo
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