quinta-feira, 10 de junho de 2010

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo II

Continuando o estudo do Habeas Corpus preventivo em favor de A.M.S.L. que havia sido condenado pelo Juízo da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém-PA à pena de 15 anos de reclusão no regime fechado em razão da acusação de estupro, vemos que outro fundamento importante da argumentação feita pela advogada e pela acadêmica de direito diz respeito a interpretação de que não é a gravidade genérica do crime em questão que deve determinar a necessidade de prisão preventiva. No caso em tela, o paciente havias sido condenado em razão da acusação de estupro que teria sido preticado contra uma criança de 11 anos de idade no ambiente de trabalho do réu, que era enfermeiro. A prisão determinada pela magistrada fundamentava-se em que a gravidade do crime supostamente praticado fazia com que se presumisse a periculosidade do réu, o qual em liberdade, segundo a Juíza, “certamente”, iria voltar a delinqüir.

Entretanto, se argumentou que, passados 13 anos da ocorrência do crime, o réu não apresentou mais nenhum registro de qualquer delito, conforme se podia verificar em sua certidão de antecedentes. Logo, não procedia a afirmação de voltaria a delinqüir. Fundamentou-se o pedido de Habeas Corpus em decisões, inclusive do STF, no sentido de que não era a gravidade teórica do delito que determinaria a presunção de periculosidade do réu.

Vejamos trechos da petição inicial de Habeas Corpus:

“Por outro lado, a autoridade coatora asseverou na decisão: “Ademais, os grave crime (sic) perpetrado pelos réus demonstra sua periculosidade, tornando-se temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinqüir”.

Entretanto, a certidão de antecedentes de fl. 482 (doc. 10), emitida em 17/03/2010, e a certidão de primariedade de fl. 480 (doc. 11), emitida em 10/03/2010, comprovam o contrário, pois não se registra nenhuma outra acusação contra o paciente desde a data do fato criminoso, ocorrido em 11 de maio de 1996, e já lá se vão mais de 13 anos. Não procede, portanto, a afirmação de que “certamente” voltará a delinqüir.

 (...)

Ao asseverar que “o grave crime perpetrado pelo réu demonstra sua periculosidade”, a Douta Magistrada está deixando transparecer que a gravidade do crime de estupro faz com que se presuma a periculosidade de qualquer um que o cometa.

Entretanto, decisões que se apóiam na gravidade teórica do delito e presunção de periculosidade do réu não procedem, pois vêm sendo repudiadas pela Suprema Corte, que não se cansa de proclamar:

“(...) II. Prisão preventiva: falta de fundamentação concreta de sua necessidade cautelar, não suprida pelo apelo a gravidade objetiva do fato criminoso imputado: nulidade. A fundamentação da prisão preventiva - além da prova da existência do crime e dos indícios da autoria -, há de indicar a adequação dos fatos concretos à norma abstrata que a autoriza como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, arts. 312 e 315). A gravidade do crime imputado, um dos malsinados "crimes hediondos" (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5., LVII)” (STF - RHC nº 68.631, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 137/287)

Ao depois, a idéia de periculosidade, presumida à só gravidade teórica do crime, é de todo incompatível com a primariedade do réu, sobre ser gratuita e não figurar hipótese legal de prisão cautelar, hostiliza a presunção constitucional de não culpabilidade.

A asserção tem contornos de ilegal antecipação de pena. Leciona, ao propósito, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR:

“Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado”.

E remata:

“Com a referida presunção de reiteração, restariam violadas, portanto, as garantias constitucionais da desconsideração prévia de culpabilidade (Constituição da República, art. 5º, LVII) e da presunção de inocência (Constituição da República, art. 5º, § 2º, c/c os arts. 14, 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e 8º, 2, 1ª parte, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos)”. (“As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração”, RJ, Renovar, 2001, p. 179).
Lembremos que foi exatamente desta dupla presunção combatida pelo doutrinador citado acima que se utilizou a Autoridade Coatora ao afirmar que é “temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinquir”.

E, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal vem reiterando o seu entendimento sobre não ser a gravidade do crime em abstrato fundamento suficiente para a prisão preventiva:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E BASEADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. PRECEDENTES. (...) DECISÃO FUNDAMENTADA NA GRAVIDADE DO CRIME E NO CLAMOR PÚBLICO. INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO. NECESSIDADE DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE A JUSTIFIQUEM. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E, NESSA PARTE, CONCEDIDA. (...) II - O decreto de prisão cautelar há que se fundar em fatos concretos. Precedentes. III - A mera afirmação de gravidade do crime e de clamor social, de per se, não são suficientes para fundamentar a constrição cautelar, sob pena de transformar o acusado em instrumento para a satisfação do anseio coletivo pela resposta penal. IV - Habeas corpus parcialmente conhecido, e nessa parte, concedida a ordem. (STF - HC 100012 / PE – PERNAMBUCO, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 15/12/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-06 PP-01362)”

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo III

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo IV

 

 

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