quinta-feira, 23 de novembro de 2017

UNIÃO HOMOAFETIVA GERA DIREITO À PENSÃO POR MORTE DE SEGURADO DA PREVIDÊNCIA



Trago ao conhecimento dos estudiosos do Direito ação em que atuamos, na qual o IGEPREV - Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará recusava-se a pagar a pensão por morte ao nosso cliente que viveu em união estável numa relação homoafetiva durante anos com o falecido segurado, professor universitário.
Fomos obrigados a acionar judicialmente a Previdência Estadual.
Segue um trecho da nossa petição inicial, que se fundamentou na ADI 4277 do Supremo Tribunal Federal, onde a Corte Suprema reconheceu a união homoafetiva como família:

– OS DIREITOS DA RELAÇÃO HOMOAFETIVA
A Constituição Brasileira, de 1988, com sua supremacia, traz, em seu preâmbulo, quais são os objetivos de um Estado Democrático e a intenção do legislador em garantir os direitos sociais e individuais a todos os cidadãos, livres de preconceitos.
Os direitos sociais inerentes a cada cidadão não podem ser negados tendo como fator de negação a identidade ou opção sexual do sujeito; uma vez que, obedecendo os critérios determinados na legislação vigente, todos são iguais perante a lei, ainda que não haja uma que trate especificamente dessa matéria.
A união estável já era considerada como entidade familiar, contudo, reconhecia, apenas, a união entre homem e mulher. Esse entendimento de união já deveria ser interpretado a luz da Constituição Federal, uma constituição garantista, democrática e de direito, sustentada por um de seus pilares mais importantes: a dignidade da pessoa humana. A ADI 4277 veio alargar a interpretação do artigo 1723 do Código Civil. Que Foi descrito na ADI 4277, com o seguinte texto: “Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição”. Sendo assim, a entidade familiar pode e deve ser constituída de acordo com a preferência de cada indivíduo, devendo ser aceita e respeitada a sua escolha.
Vejamos parte fundamental do acórdão do STF:

“(...) 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.” (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011,  Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03).
E na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a união estável homoafetiva, temos tido decisões dos tribunais brasileiros acerca do direto à pensão por morte como a que segue:
“TRF 4ª Região – Santa Catarina - Previdenciário. Pensão por morte de companheira. União estável. Relação homoafetiva. Princípio da igualdade. Requesitos preenchidos. 1. A decisão do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 4.277, que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo deu-se à luz da Constituição Federal. 2. A sociedade de fato estabelecida entre pessoas do mesmo sexo merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais, em respeito aos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e promoção do bem de todos sem preconceito ou discriminação 3. Comprovada a convivência estável entre a autora e a de cujus, caracterizando uma entidade familiar, faz jus a postulante à pensão por morte requerida.” (TRF 4ª Região, ApelReex 0006705-50.2014.404.9999, 6ª T., Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, j. 30/07/2014).
Assim sendo, na perspectiva de que todos são iguais perante a lei, e com os mesmos direitos, entende-se que a união estável homoafetiva é uma entidade familiar e o companheiro ou companheira desta relação, que se baseia no amor e no afeto, terão a garantia de seus direitos.

Vemos como o Supremo Tribunal Federal deu interpretação extensiva ao art. 1.723 do Código Civil, o qual dispõe: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Embora o texto do Código Civil falasse da relação entre homem e mulher, os Ministros do Supremo estenderam à relação homoafetiva o reconhecimento da mesma como família.
Fundamentada a nossa causa em julgado do STF, pedimos uma liminar para antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, já que se tratava de um direito à alimentos que não poderia ser postergado.
A Meritíssima Juíza da 3a. Vara de Fazenda de Belém- PA decidiu da seguinte forma, concedendo a liminar:

A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida está condicionada à existência conjugada da probabilidade do direito, relacionada à prova inequívoca dos fatos constitutivos do direito material invocado pela parte autora, de forma que o magistrado se convença da verossimilhança de suas alegações, aliado ao perigo de dano, na lição do art. 300, do Código de Processo Civil de 2015. Cumpre anotar que a lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado, conforme estabelece a Súmula 340, do STJ. No caso em comento, a lei aplicável é a Lei Complementar Estadual nº 39/2002 que assim estabelece: Art. 6º Consideram-se dependentes dos Segurados, para fins do Regime de Previdência que trata a presente Lei: I - o cônjuge, a companheira ou companheiro, na constância do casamento ou da união estável, respectivamente; § 2º Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, não sendo casada, mantém união estável com o(a) segurado(a) solteiro(a), viúvo(a), separado(a) judicialmente ou divorciado (a), e habitem sob o mesmo teto perfazendo núcleo familiar, como se marido e mulher fossem os conviventes, por prazo não inferior a 2 (dois) anos, prazo esse dispensado, quando houver prole comum § 5º A dependência econômica das pessoas indicadas nos incisos I e II é presumida e a das demais, prevista nos incisos III, V, VI e VII, deve ser comprovada de acordo com o disposto em regulamento e resolução do Conselho Estadual de Previdência. (NR LC44/2003). É cediço que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar (ADPF nº 132/RJ E ADI nº 4.277/DF), bem como o direito do companheiro sobrevivente dessa união em receber a pensão por morte (RE 477554/MG). Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que o autor convivia com o de cujus havia 14 (quatorze) anos, conforme Escritura Pública de fls. 38 e Declaração especial de nomeação de inventariante, às fls. 39. A existência de união estável se torna mais latente quando se vê que o autor consta como beneficiário de seguro acidente firmado pelo de cujus (fls. 88/89); possui o mesmo endereço do ex-segurado; e, ainda, nos documentos de fls. 36/37 (fotografias), embora não estejam datados, vislumbra-se que o autor e o falecido mantinham relação duradoura. Portanto, concluo, nesse primeiro momento da postulação, que o autor vivia em união estável com o ex-segurado à época do óbito. Por consequência, presume-se que o autor era dependente econômico, de acordo como determina o §5º, do art. 6º, da LCE nº 39/2002. Assim, entendo presente a verossimilhança das alegações, bem como o perigo de dano, posto ser o benefício de caráter alimentar. Pelo exposto, DEFIRO A TUTELA PROVISÓRIA determinando que o IGEPREV promova o pagamento da pensão por morte instituída por XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX em favor de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.


Portanto, fica demonstrado como, embora ainda haja reação e preconceito por parte do próprio Estado ao reconhecimento da união homoafetiva como família, ao ponto de pretender deixar o companheiro sobrevivente privado de seu direito fundamental aos alimentos devidos como pensão por morte, é possível dobrar, perante o Judiciário, tais posturas reacionárias e inconsequentes.


* Patrícia Leão é advogada atuante na Comarca de Belém do Pará – Tel. (91)981741220 – e-mail: paticialeao2010@yahoo.com.br