sábado, 19 de junho de 2010

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo III

Finalizando a postagem relativa ao Habeas Corpus impetrado em favor de A.M.S.L., segue a decisão da Desembargadora Relatora que concedeu a liminar, reconhecendo a tese defendida pelas impetrantes, a qual se pautava no princípio de presunção de inocência, considerando que o paciente havia recorrido da sentença condenatória e pretende provar sua inocência perante as instâncias superiores do Judiciário.

Havendo, ainda, perspectiva de provar sua inocência, não seria lícito e nem justo que o réu fosse recolhido ao cárcere antes do julgamento final de seu processo, pois, se absolvido em decorrência da apelação que fez ao Tribunal de Justiça, teria amargado tempo de prisão que não se justificaria no final.

A prisão preventiva é acolhida pelo nosso ordenamento jurídico, mas somente é admissível em hipóteses restritas previstas no art. 312 do CPP, in verbis: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Não é a gravidade abstrata do delito que afeta a ordem pública, pois, se assim fosse, todo aquele que fosse acusado do crime de estupro deveria ser imediatamente preso. E como ficaria a sua situação se, posteriormente, conseguisse provar sua inocência?

No presente caso, o réu havia respondido a todo o processo em liberdade, havia comparecido a todas as audiências e não havia nenhum outro registro de cometimento de qualquer outro delito durante os treze passados desde que houve a acusação contra si.

Vejamos o teor da decisão da Desembargadora Relatora:

“Vistos, etc. Tratam os presentes autos de habeas corpus preventivo com pedido de liminar, impetrado pelas advogadas Maria de Nazaré Pinheiro Corrêa e Patrícia de Nazaré Pereira da Costa Leão em favor de A. M. S. L., com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, apontando como autoridade coatora a MMª. Juíza de Direito da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém. Alegam as impetrantes, que decisão da autoridade inquinada coatora, que decretou a prisão preventiva do paciente, a qual se deu em ocasião posterior à prolação da sentença condenatória do mesmo, encontra-se desfundamentada, eis que para tanto, a magistrada a quo se baseou somente na gravidade abstrata do delito, que, por sua vez, revelaria a periculosidade do aludido paciente, razão pela qual entende que ele tem o direito de aguardar o julgamento do seu apelo em liberdade. Após transcreverem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que julgam pertinentes ao seu pleito, requerem a concessão liminar da ordem, e, ao final, a concessão em definitivo do writ. Juntaram documentos de fls. 15 usque 55. É o sucinto relatório. Analisando a súplica provisória, diante da peculiar situação que envolve este pleito, tem-se como plausível tal postulação, posto que evidenciado, de plano, o constrangimento ilegal infligido ao paciente. Compulsando-se os autos, verifica-se, de pronto, a ausência de justa causa à segregação cautelar. Conforme se extrai da simples leitura do decisum objurgado, a Magistrada a quo pautou-se para decretar a prisão preventiva do paciente tão somente na gravidade do delito, o qual revelaria a periculosidade do mesmo, cuja liberdade, no seu entendimento, poderá representar perigo, eis que ele poderia voltar a delinqüir, faltando, portanto, à referida decisão, convincente motivação quanto à necessidade da prisão, pois o referido paciente respondeu a todo o processo em liberdade, conforme consta na certidão do Diretor de Secretaria da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém, enviada ao meu gabinete via fac-símile, e assim se encontra, sem que tenha havido qualquer registro de que durante esse lapso temporal tenha o mesmo atentado contra o bom andamento da instrução processual, tenha praticado outros delitos ou tenha tentado furtar-se à aplicação da lei penal. É sabido que a prisão antes do trânsito e julgado da sentença penal condenatória constitui medida excepcional, de cunho acautelatório, justificável apenas nos estritos casos previstos no art. 312, do CPP. Sem estes pressupostos, constitui-se uma intolerável antecipação de culpabilidade, ferindo o que dispõe o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, devendo o status libertatis do paciente ser mantido, em homenagem ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois verificado de plano a desfundamentação da decisão segregatória. Assim, não encontrando o decreto segregativo convincente motivação quanto à necessidade da prisão à luz do que dispõe o art. 312 do CPP, em se tratando de réu que se encontrava em liberdade durante toda a instrução processual, lhe é assegurada a permanência de tal status até o trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo em vista a não superveniência de fatos novos que ensejassem a necessidade do seu recolhimento ao cárcere. Por todo o exposto, presentes, prima facie, os seus requisitos, concedo a súplica liminar, determinando a expedição de salvo conduto em favor do paciente A.M.S.L. Dê-se ciência ao Douto Juízo inquinado coator acerca do inteiro teor desta decisão, e, conforme dispõe a Portaria n.º 0368/2009-GP, solicitem-se, de ordem e através de e-mail, ao referido Juízo, as informações acerca das razões suscitadas pelas impetrantes, as quais devem ser prestadas nos termos do art. 2º, da Resolução n.º 04/2003-GP, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Após, remetam-se os autos ao Douto Representante do Ministério Público, para exame e parecer. P.R.I. Belém, 24 de maio de 2010. DESA. VANIA FORTES BITAR Relatora”.

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo II

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo IV


 

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo II

Continuando o estudo do Habeas Corpus preventivo em favor de A.M.S.L. que havia sido condenado pelo Juízo da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém-PA à pena de 15 anos de reclusão no regime fechado em razão da acusação de estupro, vemos que outro fundamento importante da argumentação feita pela advogada e pela acadêmica de direito diz respeito a interpretação de que não é a gravidade genérica do crime em questão que deve determinar a necessidade de prisão preventiva. No caso em tela, o paciente havias sido condenado em razão da acusação de estupro que teria sido preticado contra uma criança de 11 anos de idade no ambiente de trabalho do réu, que era enfermeiro. A prisão determinada pela magistrada fundamentava-se em que a gravidade do crime supostamente praticado fazia com que se presumisse a periculosidade do réu, o qual em liberdade, segundo a Juíza, “certamente”, iria voltar a delinqüir.

Entretanto, se argumentou que, passados 13 anos da ocorrência do crime, o réu não apresentou mais nenhum registro de qualquer delito, conforme se podia verificar em sua certidão de antecedentes. Logo, não procedia a afirmação de voltaria a delinqüir. Fundamentou-se o pedido de Habeas Corpus em decisões, inclusive do STF, no sentido de que não era a gravidade teórica do delito que determinaria a presunção de periculosidade do réu.

Vejamos trechos da petição inicial de Habeas Corpus:

“Por outro lado, a autoridade coatora asseverou na decisão: “Ademais, os grave crime (sic) perpetrado pelos réus demonstra sua periculosidade, tornando-se temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinqüir”.

Entretanto, a certidão de antecedentes de fl. 482 (doc. 10), emitida em 17/03/2010, e a certidão de primariedade de fl. 480 (doc. 11), emitida em 10/03/2010, comprovam o contrário, pois não se registra nenhuma outra acusação contra o paciente desde a data do fato criminoso, ocorrido em 11 de maio de 1996, e já lá se vão mais de 13 anos. Não procede, portanto, a afirmação de que “certamente” voltará a delinqüir.

 (...)

Ao asseverar que “o grave crime perpetrado pelo réu demonstra sua periculosidade”, a Douta Magistrada está deixando transparecer que a gravidade do crime de estupro faz com que se presuma a periculosidade de qualquer um que o cometa.

Entretanto, decisões que se apóiam na gravidade teórica do delito e presunção de periculosidade do réu não procedem, pois vêm sendo repudiadas pela Suprema Corte, que não se cansa de proclamar:

“(...) II. Prisão preventiva: falta de fundamentação concreta de sua necessidade cautelar, não suprida pelo apelo a gravidade objetiva do fato criminoso imputado: nulidade. A fundamentação da prisão preventiva - além da prova da existência do crime e dos indícios da autoria -, há de indicar a adequação dos fatos concretos à norma abstrata que a autoriza como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, arts. 312 e 315). A gravidade do crime imputado, um dos malsinados "crimes hediondos" (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5., LVII)” (STF - RHC nº 68.631, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 137/287)

Ao depois, a idéia de periculosidade, presumida à só gravidade teórica do crime, é de todo incompatível com a primariedade do réu, sobre ser gratuita e não figurar hipótese legal de prisão cautelar, hostiliza a presunção constitucional de não culpabilidade.

A asserção tem contornos de ilegal antecipação de pena. Leciona, ao propósito, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR:

“Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado”.

E remata:

“Com a referida presunção de reiteração, restariam violadas, portanto, as garantias constitucionais da desconsideração prévia de culpabilidade (Constituição da República, art. 5º, LVII) e da presunção de inocência (Constituição da República, art. 5º, § 2º, c/c os arts. 14, 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e 8º, 2, 1ª parte, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos)”. (“As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração”, RJ, Renovar, 2001, p. 179).
Lembremos que foi exatamente desta dupla presunção combatida pelo doutrinador citado acima que se utilizou a Autoridade Coatora ao afirmar que é “temeroso que permaneçam em liberdade pois certamente voltarão a delinquir”.

E, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal vem reiterando o seu entendimento sobre não ser a gravidade do crime em abstrato fundamento suficiente para a prisão preventiva:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E BASEADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. PRECEDENTES. (...) DECISÃO FUNDAMENTADA NA GRAVIDADE DO CRIME E NO CLAMOR PÚBLICO. INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO. NECESSIDADE DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE A JUSTIFIQUEM. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E, NESSA PARTE, CONCEDIDA. (...) II - O decreto de prisão cautelar há que se fundar em fatos concretos. Precedentes. III - A mera afirmação de gravidade do crime e de clamor social, de per se, não são suficientes para fundamentar a constrição cautelar, sob pena de transformar o acusado em instrumento para a satisfação do anseio coletivo pela resposta penal. IV - Habeas corpus parcialmente conhecido, e nessa parte, concedida a ordem. (STF - HC 100012 / PE – PERNAMBUCO, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 15/12/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-06 PP-01362)”

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo III

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo IV

 

 

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo

A acadêmica do Curso de Direito, Patrícia Leão, em conjunto com a advogada Maria Corrêa, impetrou Habeas Corpus preventivo em favor de A.M.S.L. que havia sido condenado pelo Juízo da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém-PA à pena de 15 anos de reclusão no regime fechado em razão da acusação de estupro. A Desembargadora Relatora do pedido de Habeas Corpus concedeu a liminar garantindo o direito de o paciente apelar da sentença em liberdade.
Na impetração foi esclarecido que o paciente apelou contra a condenação e pretendia provar a sua inocência. Foi argumentado que a própria magistrada que havia proferido a sentença condenatória tinha reconhecido que o réu não possuía antecedentes criminais e tinha boa conduta social. Considerando que o réu havia comparecido a todas as audiências do processo e respondido ao procedimento em liberdade, foi sustentado que não havia motivos para ter sido decretada a sua prisão preventiva, se o mesmo havia recorrido contra a condenação e poderia, ainda, provar sua inocência na instância superior do Poder Judiciário.

Na petição inicial de Habeas Corpus, alguns trechos merecem destaque, especilamente o que segue adiante, onde se argumenta sobre o direito de apelar em liberdade:

"A própria Magistrada, ao proferir a sentença (doc. 01), quando analisou as circunstâncias do art. 59 do CPB, reconheceu (fl. 492): “2] os bons antecedentes do réu, comprovados pelas certidões acostadas nos autos; 3] a conduta social que pode ser considerada boa”.

O seguinte Acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região se amolda perfeitamente ao caso, pois aqui, também, o réu respondeu solto a todos os atos do processo e a sentença reconheceu seus bons antecedentes, primariedade e boa conduta social:


PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - SENTENÇA CONDENATÓRIA - DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE - RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL - PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES RECONHECIDOS NA SENTENÇA - ART. 59 DA LEI 11.343/2006 - FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE RECHAÇADOS POR ESTA CORTE, EM OUTRO WRIT - AUSÊNCIA DE NOVOS ELEMENTOS - RÉU QUE ATENDEU ÀS DETERMINAÇÕES JUDICIAIS - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I - Nas hipóteses de condenação pelos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei 11.343/2006, a regra é a prisão do condenado, como condição de admissibilidade de eventual recurso voluntário, excepcionada a possibilidade de o réu apelar em liberdade, quando reconhecida, na sentença, a sua primariedade e os bons antecedentes, na forma do art. 59 da Lei 11.343/2006. II - No caso, embora a sentença condenatória tenha reconhecido a primariedade e os bons antecedentes do paciente, determinou o seu recolhimento à prisão para apelar, decretando-lhe a prisão preventiva, para garantia da aplicação da lei penal, pelos mesmos fundamentos já rechaçados por este Tribunal, em outro writ impetrado em favor do paciente. III - Ademais, não se pode negar que o réu, em liberdade desde 10/07/2007, respondeu solto ao processo, atendeu aos chamamentos processuais, demonstrando não oferecer risco à aplicação da lei penal, circunstância indicativa da desnecessidade do emprego da medida extrema. IV - Assim, se o paciente permaneceu solto durante todo o processo, é primário e de bons antecedentes - assim reconhecido na sentença -, sem que tenham ocorrido novos fatos justificadores da prisão cautelar, deve ser-lhe permitido recorrer solto. V - Habeas Corpus parcialmente concedido, apenas para reconhecer, ao paciente, o direito de apelar em liberdade. (Habeas Corpus nº 2008.01.00.045347-0 do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, de 18 Novembro de 2008, Relatora Desembargadora Federal Assusete Magalhães)"

Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo II

 
Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo III
  
Habeas Corpus preventivo para paciente com bons antecedentes que respondeu solto ao processo IV