segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

PRISÃO DOMICILIAR PARA DETENTAS GRÁVIDAS E MÃES DE MENORES DE 12 ANOS



A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar na próxima terça-feira (20) um habeas corpus coletivo que busca garantir prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas que cumprem prisão preventiva e às que são mães de crianças de até 12 anos. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 mulheres presas em todo o país estão grávidas ou amamentando.
O debate surgiu depois que a Lei 13.257/2016, Marco Legal da Primeira Infância, entrou em vigor alterando o Código de Processo Penal que passou a prever o seguinte: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
O debate está aberto é já vimos decisões divergentes entre si. Ao mesmo tempo que se concedeu no Supremo Tribunal Federal o direito à prisão domiciliar para a ex-primeira dama do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, mãe de um filho menor de 12 anos, no Superior Tribunal de Justiça se negou o mesmo direito a mãe de recém-nascido presa com apenas 8,5g de maconha. Em caso recente, vimos o juiz da audiência de custódia negar o direito à prisão domiciliar a uma mãe que havia entrado em trabalho de parto na mesma data, pouco antes da audiência, acabando a detenta presa junto com o filho de apenas dois dias em uma cela de 2 metros, na carceragem do 8º Distrito Policial, no Brás, em São Paulo.
Nosso posicionamento é que a prisão domiciliar não é um direito concedido exclusivamente à mãe presa, mas essencialmente é um direito concedido ao nascituro e às crianças menores de 12 anos, o qual deve prevalecer em razão do princípio da proteção integral à criança, previsto no art. 227 do Constituição Federal.
No Judiciário Paraense, já podemos ver a decisão do Juiz da 7ª. Vara Criminal, Dr. Flavio Sánchez Leão, que concedeu o direito à prisão domiciliar a uma mãe de dois filhos menores de doze anos, embora se posicionasse contra este direito o Ministério Público.
Em razão de ser didática para o debate, reproduzimos a decisão do Juiz paraense:

“Decisão
O Ministério Público manifesta-se de forma contrária à substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar de C.M.M., embora esteja comprovado que esta possui filhos menores de 12 anos, com base nos seguintes argumentos, em síntese:
a) A conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar prevista no art. 318 do CPP não é automática e nem obrigatória, sendo necessário analisar as circunstancias de cada caso concreto para saber se a prisão domiciliar será suficiente;
b) Para a conversão é necessário que a medida substitutiva não coloque em risco à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal.
O argumento do Ministério Público, com a devida vênia, padece de validade.
Caso não estivessem presentes os fundamentos previstos no art. 312 do CPP para a decretação da prisão preventiva (quais sejam: risco à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou risco à aplicação da lei penal) a prisão preventiva deveria simplesmente ser revogada e não convertida em prisão domiciliar.
Condicionar a concessão da prisão domiciliar à ausência de tais requisitos equivale a impedir a conversão em todos os casos, pois se a pessoa teve a prisão preventiva decretada é evidente que foi em razão da presença de um deste fundamentos do art. 312 do CPP que configuram o periculum in mora autorizadores da prisão preventiva.
Tal raciocínio, por via de sofisma, nos leva, no final das contas, simplesmente, a ignorar a Lei nº 13.257, de 2016 que alterou o art. 318 do CPP, tornando, na prática, inaplicável a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar.
No caso concreto destes autos, é evidente que a ré se encontra em regime de prisão preventiva por ter-se identificado risco à ordem pública, tendo em vista suas possíveis atividades no comércio de drogas e abastecimento de outras regiões da capital paraense. Logo, pela tese do Ministério Público, jamais poderia se conceder à ré o direito à conversão da preventiva em prisão domiciliar.
Entretanto, estar presente o fundamento desta prisão preventiva, não faz com que a ré deixe de ser mãe de duas crianças menores de 12 anos, crianças estas para quem se destina a Lei 13.257, de 2016, conhecida como marco legal da primeira infância, ou seja, crianças que foram o foco do legislador em detrimento, até certo ponto, dos fundamentos da prisão preventiva.
O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que entrou em vigor em março de 2016, alterou a redação do artigo 318 do CPP, a fim de tornar ainda mais amplas as hipóteses de concessão de prisão domiciliar:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei n. 12.403, de 2011). II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos ; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (grifei)
Reconheço que o diploma acima citado deve ser aplicado de forma restrita e diligente, verificando-se as peculiaridades de cada caso.
Não obstante as circunstâncias em que foi praticado o delito, a concessão da prisão domiciliar encontra amparo legal na proteção à maternidade e à infância, como também na dignidade da pessoa humana, porquanto prioriza-se o bem-estar da criança.
Em seu livro Prisão e Liberdade, de acordo com a Lei 12.403/2011 (Editora Revista dos Tribunais, 3. ed., p. 114), o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci, relata: “A mens legis diz com a necessidade de resguardar, em tal situação, não o agente criminoso, mas sim a pessoa que se encontra em situação de vulnerabilidade legitimadora de maiores cuidados, quais as crianças e deficientes, de modo coerente, inclusive, com a maior proteção a eles deferida pelo ordenamento jurídico nacional, constitucional e infraconstitucional, e internacional. Portanto, o raciocínio que se deve fazer, neste caso, deve partir da consideração do que é melhor para o vulnerável o filho recém-nascido e não do que é mais aprazível para a paciente.”
Por diversas vezes, a Segunda Turma do STF, por exemplo, tem concedido habeas corpus para substituir a prisão preventiva de pacientes gestantes e lactantes por prisão domiciliar:
Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão preventiva. 3. Alegação de ausência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar (art. 312 do CPP). Rejeição. 4. Paciente com filhos menores. Pleito de concessão da prisão domiciliar. Possibilidade. 5. Garantia do princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 6. Preenchimento dos requisitos do art. 318, inciso V, do CPP. 7. Decisão monocrática do STJ. Não interposição de agravo regimental. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 8. Ordem concedida de ofício, em parte, para determinar que a paciente seja colocada em prisão domiciliar. (HC 142279, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe- 182 DIVULG 17-08-2017 PUBLIC 18-08-2017)
Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão preventiva. 3. Paciente lactante. Revogação da prisão cautelar e, subsidiariamente, concessão de prisão domiciliar. Possibilidade. 4. Garantia do princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 5. Súmula 691. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 6. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 7. Ordem concedida, de ofício, confirmando a liminar previamente deferida, para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar. (HC 134069, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)
Destaco, ainda, que, nos termos das Regras de Bangkok, de dezembro de 2010, a adoção de medidas não privativas de liberdade deve ter preferência, no caso de grávidas e mulheres com filhos dependentes.
Transcrevo o dispositivo das Regras de Bangkok:
2. Mulheres grávidas e com filhos dependentes
Regra 64
Penas não privativas de liberdade serão preferíveis às mulheres grávidas e com filhos dependentes, quando for possível e apropriado, sendo a pena de prisão apenas considerada quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do filho ou filhos e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado.
A necessidade de observância das Regras de Bangkok, acrescente-se, foi apontada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do HC 126.107/SP, e tem sido constantemente invocada pelo Ministro Celso de Mello em seus pronunciamentos orais na Segunda Turma.
Por decisão colegiada, a Primeira Turma do STF, por exemplo, concedeu a ordem em favor de mãe de duas filhas gêmeas de onze anos de idade, que fora presa juntamente com o pai das crianças, por tráfico de drogas – HC 136.408, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 5.12.2017.
Em suma, a questão da prisão de mulheres grávidas ou com filhos sob seus cuidados é absolutamente preocupante, devendo ser observadas, preferencialmente, alternativas institucionais à prisão, que, por um lado, sejam suficientes para acautelar o processo, mas que não representem punição excessiva à mulher ou às crianças.
Ante o exposto, CONVERTO A PRISÃO PREVENTIVA EM PRISÃO DOMICILIAR, impondo a cautelar de necessidade de monitoramento eletrônico a fim de que a locomoção da ré fique restrita ao ambiente de sua residência.
Expeça-se Alvará de Soltura com a observância da conversão em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico.”

Exemplar para o Judiciário paraense a decisão do juiz da 7a. Vara Criminal. Esperamos que o Supremo Tribunal Federal venha referendar a Lei 13.257/2016, Marco Legal da Primeira Infância, e conceda às grávidas e mães brasileiras o direito à prisão domiciliar, não deixando margens para dúvidas.

* Patrícia Leão é advogada atuante na Comarca de Belém do Pará – Tel. (91)981741220 – e-mail: paticialeao2010@yahoo.com.br

sábado, 17 de fevereiro de 2018

O RECONHECIMENTO PESSOAL DO ACUSADO (SEM OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCEDIMENTO LEGAL) NÃO PODE SER CONSIDERADO PROVA ABSOLUTA NO PROCESSO PENAL



Em processo criminal, para que haja fundamento da condenação de uma pessoa é necessária certeza razoável da culpa do réu por parte do juiz.
Não havendo tal certeza, havendo dúvida por parte do magistrado, o resultado deve ser a absolvição, pois em Direito Penal prevalece a máxima de que “in dubio pro reo”.
In dubio pro reo é uma expressão latina que significa literalmente na dúvida, a favor do réu. Ela expressa o princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) será favorecido o réu.
Em inúmeros casos, no dia a dia forense, a prova fundamental em que se apoiam juízes para condenação do acusado tem sido o reconhecimento pessoal do réu pela vítima ou por testemunhas.
A seguir, iremos expor trecho de razões de apelação por nós apresentadas no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, na qual houve condenação com base em suposto reconhecimento pessoal do acusado, a fim de exemplificar como pode ser frágil este meio de prova se não houver bastante ponderação do magistrado ao apreciá-lo:

II – a) DA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA.
Vejamos um trecho da sentença onde o magistrado fundamentou a autoria:
“Atente-se que é ela (a vítima) incisiva no reconhecimento de F. Portanto, as declarações da supramencionada vítima, nesta Justiça e na polícia, são coerentes, hábeis a um juízo de convicção da participação ativa de F. na ação ilícita em que foi vítima juntamente com seu namorado...”
Entretanto, com a devida vênia, o que é considerado reconhecimento incisivo pelo Magistrado, na verdade, não possui a minha consistência para que se profira edito condenatório.
A circunstância a que foi atribuída força probatória de reconhecimento resumiu-se a uma olhada de relance lançada pela vítima nos corredores do fórum criminal de Belém.
No registro em vídeo da audiência, aos 12:51 min., a vítima, B. S. L., afirma que viu o réu no corredor do fórum, mas logo virou a cara. Ou seja, como dito, olhou de relance e mesmo assim diz ter reconhecido um dos assaltantes. Não sabemos sequer se foi o réu, realmente, que a vítima avistou nos corredores do fórum criminal.
Em razão desta circunstância, o Magistrado que presidia a audiência e, depois, proferiu a sentença, dispensou a formalidade de realização de um reconhecimento de pessoa durante o ato de instrução criminal.
Aos 12:25 min., do depoimento de B. S. L., o Meritíssimo Juiz decide que não iria fazer um auto de reconhecimento pois a vítima tinha visto o réu nos corredores do fórum e, portanto, estava prejudicado o auto de reconhecimento.
A primeira pergunta a ser feita é a seguinte: que culpa pode ser atribuída ao réu se no fórum criminal de Belém não se garante a separação em salas distintas das vítimas e dos acusados? O réu é culpado se no fórum criminal de Belém não se tem estrutura para cumprir o art. 201, § 4º, do CPP, o qual dispõe: “Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido”? O réu foi intimado para a audiência e compareceu, permanecendo nos corredores do fórum. Se não reservaram espaço separado para a vítima, não poderia ter sido prejudicado, em razão disso, pela supressão do ato de reconhecimento de acordo com as formalidades do art. 226 do CPP, no qual deveria ter sido, no mínimo, colocado ao lado de outras pessoas que com ele tivessem qualquer semelhança.
O réu em momento algum adentrou na sala de audiências, não ficou frente a frente com as vítimas e com as testemunhas durante o ato processual, a vítima revela que não havia procedido reconhecimento nenhum na fase do inquérito policial, não se sabe se a pessoa que ela avistou nos corredores do fórum era, realmente, o réu e foi suprimido o seu direito a um ato de reconhecimento com as formalidades legais.
O ato poderia ter sido procedido, pois, ao responder as perguntas do Promotor de Justiça, a vítima afirmou, aos 6:27 min., do vídeo de seu depoimento, que tinha condições de reconhecer o réu pelo vidro de reconhecimento da sala de audiências sem que o réu a visse, porém, mesmo assim, não foi procedido o ato de reconhecimento.
Para se ter uma ideia de quão frágil é a circunstância em que se apoiou o Magistrado para condenar o réu, vejamos o depoimento da vítima. Aos 6:56 min., do vídeo de seu depoimento, disse que, pelo pouco que o viu no ambiente do fórum criminal, o reconheceu, dizendo, em seguida que era magro, que não era muito alto e afirmou que o réu era: “NEGRO, PARDO, MORENO OU MORENO ESCURO”, para finalmente dizer que o réu era pardo. Basta ouvir o depoimento aos 6:56 min.
Não bastasse a indecisão da vítima sobre as características raciais do réu, a Defesa vem a afirmar a Vossas Excelências que o réu é mameluco, um indivíduo que possui ascendência indígena e branca, um típico caboclo da Amazônia. Basta ver a identidade de F. fl. 39, a qual revela uma pessoa com traços indígenas, com os olhos puxados característicos dos caboclos amazônidas, nada tendo a ver com as características dos descendentes da raça negra que a vítima descreveu.
Não desconhecemos lições recentes do Supremo Tribunal Federal no seguinte sentido: “O reconhecimento firme e seguro feito pela vítima, em juízo, dispensa as formalidades do artigo 226 do CPP” (STF - ARE: 791170 DF , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 28/04/2014, Data de Publicação: DJe-082 DIVULG 30/04/2014 PUBLIC 02/05/2014). Porém, observemos que o Senhor Ministro está se referindo ao reconhecimento feito EM JUÍZO, sob o crivo do contraditório, na presença do defensor do réu, que ocorre quando o réu está presente na sala de audiências, ou no mínimo quando ele é avistado através do vidro especial de reconhecimento da sala de audiências, ainda que não se coloquem pessoas semelhantes ao seu lado. Nada disso se confunde com a vítima ter dito que viu o réu de relance nos corredores do fórum criminal e logo virou a cara. Como já dito, nem se sabe se foi mesmo o réu que a vítima avistou nos corredores do fórum criminal. Não é possível que se vá admitir que tenha sido este incidente um ato processual. Admitir isto fere de morte o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Vejamos a doutrina de Gustavo Henrique Barbosa Campos, in “O Contraditório e a Ampla Defesa no Processo Penal”, disponível em < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=12318>, acesso em 13/04/2015:   
“A exigência de contraditório e ampla defesa na formação e produção das provas pode assim ser desdobrada: proibição de fatos que não tenham sido previamente introduzidos pelo juiz no processo e submetidos a debate pelas partes; proibição de utilizar provas formadas fora do processo ou de qualquer modo colhidas na ausência  das partes; a obrigação do juiz, quando determinar a produção de provas ex officio, de submetê-las ao contraditório das partes, as quais devem participar de sua produção e poder oferecer a contraprova.
Ainda, quanto à prova, diz Grinover: “tanto será viciada a prova que for colhida sem a presença do juiz, como o será a prova colhida pelo juiz, sem a presença das partes; a concomitante presença de ambos- juiz e partes- na produção das provas é essencial à sua validade.” [GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 10. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pag.145,146]”
Evidente que o suposto encontro da vítima com o réu nos corredores do fórum, caso tenha havido, terá sido ocorrência acontecida sem a presença do juiz e do defensor do réu, o que vicia a ocorrência e impede que seja usada como prova apta para condenar um acusado.
Entendimento em sentido contrário fere de morte o art. 5º, LX, da Constituição Federal, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. De forma que fica, desde já, prequestionada a violação do referido dispositivo constitucional para os fins de Recurso Extraordinário se for necessário, requerendo que o tribunal expressamente se manifeste sobre a violação.
Da mesma forma é determinado no Código de Processo Penal: “Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Mais uma vez se vê que prova somente é aquela produzida em contraditório judicial e a ocorrência em que se fundamentou o magistrado para condenar o réu (o suposto encontro da vítima com o réu nos corredores do fórum criminal) não pode ser assim considerada. De forma que, se mantida a condenação com base nesse fundamento, entendemos violado o art. 155, caput, do CPP, ficando desde já prequestionada a violação da norma federal para fins de Recurso Especial se for necessário, requerendo que o tribunal expressamente se manifeste sobre a violação.
Deve ser aduzido, ainda, nesse tema do reconhecimento, que a vítima, E. B. Q., não fez também nenhum reconhecimento durante a audiência de instrução e julgamento, não se referiu a ter reconhecido o réu nos corredores do fórum, bem como os policiais que serviram como testemunhas não entraram em contato com o réu durante o ato de instrução processual. Portanto, reconhecimento pessoal do réu não houve durante a audiência de instrução deste processo criminal.”

Verificamos, portanto, que não só o juiz deve agir com ponderação ao apreciar a prova resultante de um reconhecimento pessoal, como deve também seguir os ritos processuais previstos em lei a fim de assegurar o direito ao devido processo legal e ao contraditório ao acusado. Jamais se pode admitir que um reconhecimento procedido fora da sala de audiências, fora do processo e de um ato processual, possa servir como prova absoluta a fundamentar uma condenação.  
Aguardamos o julgamento desta apelação com a consequente absolvição do acusado.

* Patrícia Leão é advogada atuante na Comarca de Belém do Pará – Tel. (91)981741220 – e-mail: paticialeao2010@yahoo.com.br