A Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) deve julgar na próxima terça-feira (20) um habeas corpus coletivo
que busca garantir prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas que cumprem
prisão preventiva e às que são mães de crianças de até 12 anos. De acordo com o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 mulheres presas em todo o país estão
grávidas ou amamentando.
O debate surgiu depois que a Lei 13.257/2016,
Marco Legal da Primeira Infância, entrou em vigor alterando o Código de
Processo Penal que passou a prever o seguinte: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar
quando o agente for: (...) IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze)
anos de idade incompletos.
O debate está aberto é já vimos
decisões divergentes entre si. Ao mesmo tempo que se concedeu no Supremo
Tribunal Federal o direito à prisão domiciliar para a ex-primeira dama do Rio
de Janeiro, Adriana Ancelmo, mãe de um filho menor de 12 anos, no Superior
Tribunal de Justiça se negou o mesmo direito a mãe de recém-nascido presa com apenas
8,5g de maconha. Em caso recente, vimos o juiz da audiência de custódia negar o
direito à prisão domiciliar a uma mãe que havia entrado em trabalho de parto na
mesma data, pouco antes da audiência, acabando a detenta presa junto com o
filho de apenas dois dias em uma cela de 2 metros, na carceragem do 8º Distrito
Policial, no Brás, em São Paulo.
Nosso posicionamento é que a prisão
domiciliar não é um direito concedido exclusivamente à mãe presa, mas
essencialmente é um direito concedido ao nascituro e às crianças menores de 12
anos, o qual deve prevalecer em razão do princípio da proteção integral à
criança, previsto no art. 227 do Constituição Federal.
No Judiciário Paraense, já podemos
ver a decisão do Juiz da 7ª. Vara Criminal, Dr. Flavio Sánchez Leão, que
concedeu o direito à prisão domiciliar a uma mãe de dois filhos menores de doze
anos, embora se posicionasse contra este direito o Ministério Público.
Em razão de ser didática para o
debate, reproduzimos a decisão do Juiz paraense:
“Decisão
O Ministério
Público manifesta-se de forma contrária à substituição da prisão preventiva
pela prisão domiciliar de C.M.M., embora esteja comprovado que esta possui
filhos menores de 12 anos, com base nos seguintes argumentos, em síntese:
a) A conversão
da prisão preventiva em prisão domiciliar prevista no art. 318 do CPP não é automática
e nem obrigatória, sendo necessário analisar as circunstancias de cada caso
concreto para saber se a prisão domiciliar será suficiente;
b) Para a
conversão é necessário que a medida substitutiva não coloque em risco à
garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique
risco à aplicação da lei penal.
O argumento do
Ministério Público, com a devida vênia, padece de validade.
Caso não
estivessem presentes os fundamentos previstos no art. 312 do CPP para a
decretação da prisão preventiva (quais sejam: risco à garantia da ordem
pública, à conveniência da instrução criminal ou risco à aplicação da lei
penal) a prisão preventiva deveria simplesmente ser revogada e não convertida
em prisão domiciliar.
Condicionar a
concessão da prisão domiciliar à ausência de tais requisitos equivale a impedir
a conversão em todos os casos, pois se a pessoa teve a prisão preventiva
decretada é evidente que foi em razão da presença de um deste fundamentos do
art. 312 do CPP que configuram o periculum in mora autorizadores da prisão
preventiva.
Tal
raciocínio, por via de sofisma, nos leva, no final das contas, simplesmente, a
ignorar a Lei nº 13.257, de 2016 que alterou o art. 318 do CPP, tornando, na
prática, inaplicável a substituição da prisão preventiva pela prisão
domiciliar.
No caso
concreto destes autos, é evidente que a ré se encontra em regime de prisão
preventiva por ter-se identificado risco à ordem pública, tendo em vista suas
possíveis atividades no comércio de drogas e abastecimento de outras regiões da
capital paraense. Logo, pela tese do Ministério Público, jamais poderia se
conceder à ré o direito à conversão da preventiva em prisão domiciliar.
Entretanto,
estar presente o fundamento desta prisão preventiva, não faz com que a ré deixe
de ser mãe de duas crianças menores de 12 anos, crianças estas para quem se
destina a Lei 13.257, de 2016, conhecida como marco legal da primeira infância,
ou seja, crianças que foram o foco do legislador em detrimento, até certo
ponto, dos fundamentos da prisão preventiva.
O Marco Legal
da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que entrou em vigor em março de 2016, alterou a
redação do artigo 318 do CPP, a fim de tornar ainda mais amplas as hipóteses de
concessão de prisão domiciliar:
Art. 318.
Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente
for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - maior de 80 (oitenta)
anos; (Incluído pela Lei n. 12.403, de 2011). II - extremamente debilitado por
motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III -
imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade
ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº
13.257, de 2016) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos ; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) VI - homem, caso
seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição,
o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (grifei)
Reconheço que
o diploma acima citado deve ser aplicado de forma restrita e diligente,
verificando-se as peculiaridades de cada caso.
Não obstante
as circunstâncias em que foi praticado o delito, a concessão da prisão
domiciliar encontra amparo legal na proteção à maternidade e à infância, como
também na dignidade da pessoa humana, porquanto prioriza-se o bem-estar da
criança.
Em seu livro
Prisão e Liberdade, de acordo com a Lei 12.403/2011 (Editora Revista dos
Tribunais, 3. ed., p. 114), o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, Guilherme de Souza Nucci, relata: “A mens legis diz com a necessidade de resguardar, em tal situação, não
o agente criminoso, mas sim a pessoa que se encontra em situação de
vulnerabilidade legitimadora de maiores cuidados, quais as crianças e
deficientes, de modo coerente, inclusive, com a maior proteção a eles deferida
pelo ordenamento jurídico nacional, constitucional e infraconstitucional, e
internacional. Portanto, o raciocínio que se deve fazer, neste caso, deve
partir da consideração do que é melhor para o vulnerável o filho recém-nascido
e não do que é mais aprazível para a paciente.”
Por diversas
vezes, a Segunda Turma do STF, por exemplo, tem concedido habeas corpus para substituir
a prisão preventiva de pacientes gestantes e lactantes por prisão domiciliar:
Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão
preventiva. 3. Alegação de ausência dos requisitos autorizadores da custódia
cautelar (art. 312 do CPP). Rejeição. 4. Paciente com filhos menores. Pleito de
concessão da prisão domiciliar. Possibilidade. 5. Garantia do princípio da
proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 6.
Preenchimento dos requisitos do art. 318, inciso V, do CPP. 7. Decisão
monocrática do STJ. Não interposição de agravo regimental. Manifesto
constrangimento ilegal. Superação. 8. Ordem concedida de ofício, em parte, para
determinar que a paciente seja colocada em prisão domiciliar. (HC 142279,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20/06/2017, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe- 182 DIVULG 17-08-2017 PUBLIC 18-08-2017)
Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão
preventiva. 3. Paciente lactante. Revogação da prisão cautelar e,
subsidiariamente, concessão de prisão domiciliar. Possibilidade. 4. Garantia do
princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do
menor. 5. Súmula 691. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 6.
Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 7. Ordem concedida, de ofício,
confirmando a liminar previamente deferida, para determinar a substituição da prisão
preventiva por domiciliar. (HC 134069, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC
01-08-2016)
Destaco,
ainda, que, nos termos das Regras de Bangkok, de dezembro de 2010, a adoção de
medidas não privativas de liberdade deve ter preferência, no caso de grávidas e
mulheres com filhos dependentes.
Transcrevo o
dispositivo das Regras de Bangkok:
2. Mulheres grávidas e com filhos
dependentes
Regra 64
Penas não privativas de liberdade serão
preferíveis às mulheres grávidas e com filhos dependentes, quando for possível
e apropriado, sendo a pena de prisão apenas considerada quando o crime for grave
ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor
interesse do filho ou filhos e assegurando as diligências adequadas para seu
cuidado.
A necessidade
de observância das Regras de Bangkok, acrescente-se, foi apontada pelo Ministro Ricardo
Lewandowski, no julgamento do HC 126.107/SP, e tem sido constantemente invocada
pelo Ministro Celso de Mello em seus pronunciamentos orais na Segunda Turma.
Por decisão
colegiada, a Primeira Turma do STF, por exemplo, concedeu a ordem em favor de mãe
de duas filhas gêmeas de onze anos de idade, que fora presa juntamente com o
pai das crianças, por tráfico de drogas – HC 136.408, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado
em 5.12.2017.
Em suma, a
questão da prisão de mulheres grávidas ou com filhos sob seus cuidados é
absolutamente preocupante, devendo ser observadas, preferencialmente,
alternativas institucionais à prisão, que, por um lado, sejam suficientes para
acautelar o processo, mas que não representem punição excessiva à mulher ou às
crianças.
Ante o exposto,
CONVERTO A PRISÃO PREVENTIVA EM PRISÃO DOMICILIAR, impondo a cautelar de
necessidade de monitoramento eletrônico a fim de que a locomoção da ré fique
restrita ao ambiente de sua residência.
Expeça-se
Alvará de Soltura com a observância da conversão em prisão domiciliar com monitoramento
eletrônico.”
Exemplar para o Judiciário paraense a decisão do juiz da 7a. Vara Criminal. Esperamos que o Supremo Tribunal
Federal venha referendar a Lei 13.257/2016, Marco Legal da Primeira Infância, e
conceda às grávidas e mães brasileiras o direito à prisão domiciliar, não
deixando margens para dúvidas.
* Patrícia Leão é advogada
atuante na Comarca de Belém do Pará – Tel. (91)981741220 – e-mail:
paticialeao2010@yahoo.com.br