terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FALTA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL ADEQUADO PARA MULHERES NAS COMARCAS DO INTERIOR DO ESTADO DO PARÁ

A acadêmica do curso de Direito, Patrícia Leão, em conjunto com a advogada Maria de Nazaré Pinheiro Corrêa, impetraram Habeas Corpus liberatório em favor de E.A.M., presa na Comarca de Cametá-PA e acusada da prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas).

A paciente foi presa em flagrante no dia 14/04/2010, sendo este mantido pelo juízo a quo que, na mesma oportunidade determinou a transferência da acusada para o Centro de Reeducação Feminino do Coqueiro, na região metropolitana de Belém do Pará, em virtude de não haver estabelecimento prisional adequado, na comarca, para pessoas do sexo feminino, sendo a transferência efetivada no dia 20/04/2010.

Este tipo de transferência, para a capital, de pessoas do sexo feminino presas em várias comarcas do interior do Estado do Pará é reflexo, ainda, do que ocorreu na Comarca de Abaetetuba-PA, quando uma presa ficou vários dias na mesma cela em que estavam presos pessoas do sexo masculino e, dentro do cárcere, sofreu abusos sexuais.

Ocorreu que, tendo o Juízo de Cametá-PA determinado a notificação da paciente para apresentar defesa prévia em despacho datada de 02/06/2010, somente no dia 05/07/2010, mais de um mês depois, a carta precatória foi remetida à Comarca de Belém a fim de que se notificasse a acusada que havia sido transferida para Belém.

Entretanto, por falha da Secretaria do Juízo de Cametá-PA, a carta precatória foi remetida à Comarca de Belém sem os documentos imprescindíveis ao seu cumprimento, razão pela qual a Juíza da Vara de Cartas Precatórias Criminais de Belém, determinou que fosse oficiado ao Juízo de Cametá para que complementasse a carta precatória, ocasionando o retardo em seu cumprimento.

Em face do atraso no cumprimento da notificação da acusada foi que as impetrantes do Habeas Corpus requereram a revogação da custódia da paciente, por restar evidenciado o excesso de prazo para o início da instrução processual, em virtude da falha da Secretaria do Juízo.

Na petição de Habeas Corpus as impetrantes já alertavam:

“A paciente em nada contribuiu para o atraso da marcha processual. Sabe-se que é forçoso que se evite a repetição de atos lamentáveis acontecidos no município de Abaetetuba. Mas a paciente não poderia ser penalizada em razão do Estado não conseguir manter infraestrutura necessária em todas as comarcas para custodiar presas do sexo feminino, pois, como qualquer cidadão, paga seus impostos, ainda que indiretos. Deve ser ressaltado que a regra é que o preso provisório permaneça custodiado no município onde reside, onde poderá ter assistência de seus familiares, pois, afinal, nem se sabe se será condenado ou não. Tendo sido transferida para local distante da Comarca onde reside já sofre prejuízo. Não poderia ser penalizada novamente pelo atraso da marcha processual (decorrente de falhas do cartório judicial) enquanto aguardava presa ser notificada acerca da acusação que lhe faz o mesmo Estado que não lhe garantiu a permanência na Comarca onde reside”.

Citando decisão do Supremo Tribunal Federal em caso semelhante ao da paciente, as impetrantes afirmaram no Habeas Corpus:

“O tema que agora se debate não é estranho, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal. No Habeas Corpus nº 101.272, o Ministro Cezar Peluso, ao deferir o pedido de liminar, assim asseverou:

‘É caso de liminar.

Conquanto o juízo de primeiro grau, ao prestar as informações (fls. 127 e seguintes), tenha afirmado que a demora processual não é imputável ao Poder Judiciário, noto que não se refutou a alegação da defesa de que a demora para o início da instrução se deveu ‘em razão dos acusados estarem custodiados em Caxias/MA, em virtude da superlotação da Cadeia de Codó, e sobretudo, por falha da Secretaria Judicial da 3ª Vara de Caxias, que procedeu a notificação incompleta dos três acusados, em autos de Carta Precatória’ (fl. 129).

Ora, é fato incontroverso que o Tribunal local concedeu habeas corpus para que o co-réu INAJARO, preso nas mesmas circunstâncias que os ora pacientes, pudesse responder solto ao processo, diante do excesso de prazo sem intimação para o oferecimento de defesa preliminar (fls. 121-125). Assim, o indeferimento, pelo mesmo Tribunal, de medida idêntica impetrada em favor dos demais co-réus representa, a princípio, violação ao disposto no art. 580 do Código de Processo Penal’.

Vemos que é caso de extrema similitude com o da paciente. A demora para o início da instrução se deu em razão da denunciada estar custodiada em Comarca diferente daquela em que tramita o processo, em virtude de não haver infraestrutura para custodiar presas do sexo feminino na Comarca de Cametá, e sobretudo, por falha da secretaria que remeteu a carta precatória para a Comarca de Belém sem os documentos necessários para o cumprimento da diligência, gerando excesso de prazo sem intimação para o oferecimento da defesa preliminar”.

Tais considerações já haviam sido feitas pelas impetrantes ao Juízo da Comarca de Cametá-PA, porém a Magistrada da Comarca de Cametá argumentou que já havia marcado a audiência de instrução julgamento e indeferiu o pedido de relaxamento da prisão.

Entretanto, na data da audiência de instrução e julgamento, em dezembro de 2010, o que não era razoável aconteceu: a Superintendência do Sistema Penal (SUSIPE) do Estado do Pará não apresentou a presa e oficiou ao Juízo de Cametá informando que, por falta de recursos orcamentários que garantissem a infraestrutura para o transporte da presa e o pagamento de diárias dos funcionários da SUSIPE, a ré não seria apresentada para participar da audiência. E a audiência não se realizou, mas, ainda assim, o Juízo da Comarca de Cametá deixou de atender imediatamente o pedido da Defesa para relaxamento da prisão por excesso de prazo.

A postura da SUSIPE e do Juízo a quo foi comunicada ao Desembargador Ronaldo Valle, relator do processo de Habeas Corpus, que, então, deferiu o pedido de liberdade da ré.

No corpo de seu voto, asseverou o Desembargador:

“Dentre os argumentos esposados na impetração, com vista a restituição da liberdade da paciente um merece acolhida, qual seja, o que se refere ao excesso de prazo de sua prisão sem que a instrução processual tenha sido concluída.

(...)

Vê-se, assim, que o atraso de um mês para remeter a carta precatória para a comarca de Belém a fim notificar a paciente para ofertar a defesa preliminar, bem como, a falha da Secretaria do Juízo ao deixar de anexar a ela os documentos imprescindíveis ao seu regular cumprimento, foram determinantes para a mora aqui reclamada, considerando que a paciente aguardava presa, desde o dia 14/04/2010, a oportunidade de apresentar a defesa prévia, e referidos percalços ocasionaram a estagnação do processo, ante a falta de decisão acerca do recebimento da denúncia, eis que tal ato depende da apresentação da referida defesa.

Importante referir, que apesar de haver necessidade de expedição de carta precatória, em virtude de a paciente estar presa em comarca diversa da qual tramita o processo, todavia o alongamento da instrução criminal por 07 (sete) meses, sem que sequer tenha sido ouvida pelo juízo, não se mostra razoável. Vale ressaltar que o seu interrogatório marcado para o dia 09 do corrente mês deixou de ser realizado em razão de a paciente não ter sido apresentada pela SUSIPE, por problemas de ordem administrativa, (falta de recursos orçamentários), sendo remarcada para o dia 16/12/2010, ou seja, mais de oito meses depois da prisão da paciente.

Nesse contexto, restou evidenciado que, ultrapassado se acha, e muito, o tempo legal para a entrega da prestação jurisdicional do Estado-Juiz, excesso para o qual a paciente tampouco sua defesa concorram, razão porque não pode permanecer segregada por tempo indeterminado, eis que já se tem computado mais de 07 (sete) meses, do dia de sua prisão até a presente data, não foi sequer ouvida pelo juízo e não existem elementos indicativos da complexidade do processo, porquanto a paciente é a única denunciada no feito em questão”.

Felizmente, as Câmaras Criminais Reunidas acompanharam o voto do relator Desembargador Ronaldo Valle, e sanaram o constrangimento ilegal por excesso de prazo na prisão concedendo a liberdade para a paciente.

Entretanto, fica um alerta. É certo que não pode voltar a acontecer com mulheres presas de justiça o que ocorreu na Comarca de Abaetetuba, porém, com esta justificativa, não pode o Estado-Administração, e muito menos o Estado-Juiz, deixar que as presas provisórias permaneçam sem julgamento por tempo além do razoável. Correto seria haver estabelecimentos adequados para a permanência de pessoas sexo feminino presas na mesma comarca por onde tramitam os seus respectivos processos, pois isto garantiria a celeridade de seus julgamentos, além de que é um direito da presa provisória, que nem sequer se sabe se será condenada, permanecer onde possa ter assistência mais direta de seus parentes. Porém, já que não há infraestrutura estatal para tanto e, se as presas nas comarcas do interior necessitam ser transferidas para os presídios femininos na capital do Estado do Pará, não pode o Estado-Administração permitir que, com justificativas não aceitáveis de falta de verbas orçamentárias, as presas deixem de ser apresentadas nas audiências dos seus processos, pois é direito fundamental de qualquer pessoa estar presente no decorrer do processo em que é acusada de crime, especialmente se estiver presa. Por sua vez, detectando o Estado-Juiz que a administração não garante a infraestrutura necessária para observância de tais direitos das presas, não há outra solução a não ser relaxar a prisão da presa provisória a fim de evitar o constrangimento ilegal por excesso de prazo na prisão sem julgamento dos processos.

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